sexta-feira, 14 de maio de 2010

“(…)
E de súbito, como em simetria com a crise do Ocidente na ordem profana (economia, política e ética), sofrida pelo comum dos mortais como uma ameaça e um desafio ainda em curso ao tipo de civilização que é a nossa, abate-se sobre a Igreja uma espécie de vendaval ético-histórico, ampliado pelo mediatismo planetário, senão de todo inédito (antes pelo contrário), o mais apto para atingir a Igreja instituição e a feri-la, não no coração da sua mensagem, mas na imagem que a define e caracteriza a sua missão "exemplar".

Em nada, a título pessoal, Bento XVI tem a ver com esse escândalo, por ele mesmo descrito e sofrido como tal, mas foi sobre ele, sucessor de Pedro, que caiu o reflexo profano, mundano, desse fait-divers que não se parece com nenhum outro. É uma injustiça objectiva e ninguém o saberá melhor do que ele. A Igreja não é nenhuma barca angélica. Está no mundo e pertence ao mundo. Não existe para impedir o mundo de passar mas para santificar o mundo que passa. De resto, já tem no seu fundador o mais incontornável dos juízes.

(…)
Em visita a este velho país cristão, Bento XVI, no centro de um drama que tem exorcizado, não sem coragem, não terá aqui, como o poderia ter em outros espaços, nem comentários sarcásticos, nem exaltações perversas de quem contempla a barca de Pedro outrora em excesso triunfalista, num mau passo. Apenas votos para que essa barca passe para a outra margem de si mesma, como o Mestre a convidou.”

Este texto de Eduardo Lourenço é dos melhores que, sobre os muitos assuntos que toca, tenho lido. Um católico que pensa a sua fé e a sua igreja com Razão. Crentes ou não, não podemos deixar de sentir os traços de tristeza e fé neste texto, belíssimo sob qualquer perspectiva.

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